André Balocco
André Ramos tenta unir lideranças do Complexo do Alemão em busca de uma pauta únicaRio - Se há alguns anos André Ramos estava do lado de lá, fuzil e bandoleira no ombro, na ‘contenção’ para evitar que a Rua Canitar (na Fazendinha, Complexo do Alemão) fosse tomada pela polícia, hoje o mundo do rapaz de 26 anos é bem diferente. Em vez de sustentar a tiros a fuga dos comparsas, como fazia rotineiramente, ele abre caminho para uma nova realidade: aproveitar o mar de oportunidades que pode surgir através do processo de pacificação na região.
“Mas, por enquanto, está meio difícil”, diz ele, que publica um jornal impresso (‘O Plantador Fiel’) e tem uma fanpage na internet. “O comércio aqui caiu muito desde que o Exército saiu. Hoje em dia, as pessoas não ficam mais nas ruas”, emenda, com dificuldade de encontrar apoio entre comerciantes.
EM BUSCA DA AÇÃO SOCIAL
Nada que o faça desistir. Um dos expoentes deste pedaço da comunidade, que se ressente da tsunami de projetos sociais, André aposta no diálogo entre os 16 representantes de moradores que vivem no Complexo para dar mais vida ao Alemão. “O PAC não chegou aqui na Canitar. Mas não desisto de ser este canal para trazer as melhorias”.
Melhorias, para André, são coleta de lixo regular, projetos sociais para ocupar as crianças após as aulas e a liberação da quadra da Canitar, onde o tráfico dava as festas mais famosas da comunidade. Foi lá que ele tentou fazer o Pacto da Paz, encontro que reuniria estas lideranças para discutir projetos comuns ao Alemão, mas que em cima da hora foi cancelado pela UPP sob alegação de que faltavam documentos, segundo diz.
“A ideia do jornal veio da época em que eu estava no Padre Severino (onde menores apreendidos cumprem pena socioeducativa)”, conta. “A ONU tinha um projeto de acesso a computadores e daí passei a seguir nesta direção.” Ele fez cursos sobre sustentabilidade, pegou carona em projetos sociais da União e desembocou de volta na sua casa, no Alemão, onde mora com sete irmãos e a mãe.
São cinco mil exemplares, em tiragem mensal, em que fala de questões culturais e dos problemas enfrentados pelos moradores da comunidade — coisas que, para ele, são comuns.
Complexo tem 16 associações diferentes
Pedra do Sapo, Grota, Nova Brasília, Fazendinha, Galinha, Alemão, Baiana, Adeus, Palmeiras, Matinha, Reservatório de Ramos, Mineiros e Canitar. A lista de comunidades que integram o complexo esconde a diversidade nos investimentos e lideranças duplicadas. “É preciso buscar a pauta única”, defende André, chamado por muitos de pastor, por conta do trabalho de recuperação de traficantes.
Pelas suas contas, diz, conseguiu resgatar 40 pessoas, graças ao Instituto ‘Ramos de Deus’. “Já morei na rua antes de ir para o tráfico. Sei o que é dignidade”.
Onda de boatos fez UPP impedir ‘Pacto da Paz’ na Canitar
O temor de que os moradores aproveitassem o encontro pacífico para fazer uma manifestação cívica, na semana passada, fez com que a UPP Fazendinha proibisse a realização do primeiro Pacto da Paz, fórum de debates que reuniria lideranças do Complexo do Alemão na quadra da Rua Canitar.
De acordo com a assessoria de imprensa da UPP, a onda de boatos fechou escolas à tarde, fez com que os comerciantes baixassem suas portas e deixou os policiais de prontidão. Por conta disso, a decisão de impedir a reunião, que teria shows e até apresentação de street dance. “Houve um imenso ruído de comunicação”, disse a assessoria.