Pedro Landim
Da Zona Norte à Sul: os cabelos cariocasRio - Louro, preto, ruivo, liso, crespo, escovado, duro ou macio, é cabelo que não acaba mais. Uma parede inteira onde ‘cresceram’ pelos de todas as classes sociais. Uma obra representando a cidade que, antes de ser maravilhosa, segundo a artista plástica Solange Venturi, chama-se ‘Rio, Cidade Cabeluda’.
“Cabelo gera atração e repulsa quando sai da cabeça. Muitos têm nojo, outros acham lindo. Fiz uma grande teia unindo a cidade. Os pelos da funkeira da Vila Kennedy, na Zona Oeste, estão ao lado do louro pintado da socialite do Leblon”, diz Solange, sobre a exposição que será inaugurada sexta-feira, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Sempre cutucando a audiência com obras que exploram faces menos retratadas do corpo humano, Solange percorreu salões de beleza das favelas ao asfalto da Zona Sul, recolhendo restos de cortes de cabelo para ocupar uma parede com quase 30 metros quadrados. Em trabalhos anteriores, ela já havia coberto seu corpo com pelos de outras pessoas, e enchido o banheiro de um apartamento de cabelos, dando à banheira conotação erótica.
Os cabelos foram colados num grande mural com goma arábica
Foto: Divulgação
“Adorei o cabelo dos homens da Vila Kennedy, mais autênticos, muitos pretos, enrolados e sem tratamentos químicos, o afro verdadeiro”, diz a artista, lembrando que nas comunidades, a exemplo também de Rio das Pedras, ela recolheu mais cabelos masculinos. “São os homens que mais participam dessa realidade ‘cabeluda’ das comunidades, do tráfico e da milícia”, diz. E resume: “Virei muambeira de cabelo”.
O trabalho de Solange, uma dentista que cada vez se dedica mais às artes plásticas, foi concebido a partir do tema ‘A questão do espaço na arte’, sugerido em curso ministrado na EAV por Glória Ferreira e Luiz Ernesto Moraes. Com o auxílio de um andaime, a artista colou os cabelos com goma arábica e cola branca na parede, buscando contrastes de cores e texturas.
“Os cabelos vêm quase sempre cheirosos do salão, meio molhados. Seco no sol, retirando as impurezas. Vem muita coisa junto dos fios, como as unhas cortadas que me dão um pouco de nervoso”, conta a artista, que pretende reaproveitar sua matéria prima capilar em trabalhos futuros.
“Quando falo na cidade cabeluda, falo em todos os sentidos do termo. O Rio está complicado, cabeludo, para o bem ou para o mal”, observa Solange.